As esquerdas e o palco para maluco
É recorrente ouvir da centro-esquerda e adjacências que “não se pode dar palco para maluco dançar”. A preocupação vem de quem muito apanhou das forças que a nova direita constituiu mundo afora, sobretudo na internet. Uma pena desta constatação ser majoritária é que ela não faz sentido algum.
Minha experiência prévia nesta nova direita não me autoriza a chegar na mesma conclusão. Enquanto vozes estabelecidas entre os progressistas entendem que a melhor estratégia diante dos guinchos dos reacionários é enfiar a cabeça na terra como avestruz assustado.
Ninguém na nova direita ou na extrema-direita se furta a dar amplitude aos malfeitos de progressistas ou fenômenos erroneamente atribuídos ao bicho-papão chamado “marxismo cultural”. Se um ativista solitário da Finlândia propor a legalização da zoofilia, lá estará o direitista amplificando o fato nas redes. Se uma maluca defender em um simpósio universitário da Bessarábia que homens devem ser extintos, é certo que a direita tratará o caso como uma ameaça de genocídio mundo afora.
Aliás, é o que dá liga para o pânico pré-fabricado. O caldo será engrossado por questões menores (ou não) ocorridas no cenário doméstico. Quando alguns youtubers notaram que supostamente não havia uma placa de indicação etária na exposição “QueerMuseu”, o que se viu foi uma fatwa contra a classe artística, acusada de parasitar o contribuinte e corromper a infância.
Por estes dias uma cidadã resolveu investir contra os croppeds masculinos já ciente que farmaria alguns seguidores. Esquerdistas assustados como coelhinhos lamentam que seus pares tornaram a moça famosa. Errado: ela apenas minerou apoio entre as mesmas classes de sempre, apenas soube usar o algoritmo a seu favor.
É preciso deixar claro que ninguém é impactado pelo Evangelho reacionário apenas de ouvir a palavra ou descobrir algo novo. O que converte é a confirmação de viés, notadamente em quem já se inclina a estas ideias. A esquerda pós-moderna talvez não entenda porque está encastelada em sua bolha e possuída pelo derrotismo crônico. O vício escraviza, levando muitos a repetirem a máxima de Darcy Ribeiro sobre “preferir estar ao lado dos derrotados”.
O primeiro passo seria diversificar as pautas. Como lembrou Rafael Correia recentemente, é preciso ir além das pautas identitárias — e é possível defender minorias sem deixar de lado os grandes temas como emprego, segurança pública e política econômica. Do contrário não haveria direitos humanos nos países de primeiro mundo e a Hungria de Viktor Orbán seria uma filial do paraíso na Terra.
As esquerdas precisam entender como estes mecanismos funcionam. Esta conclusão foi fundamental na aprovação do Brexit, que de posse do comportamento dos usuários fez chegar a cada cidadão uma mensagem personalizada sobre as vantagens que teria se o Reino Unido deixasse a União Europeia. Ampliar o repertório para atender os diversos nichos é fundamental para a política moderna.
Nosso caos cotidiano é fruto das dinâmicas da sociedade, como aponta o cientista político italiano Giuliano Da Empoli, autor do indispensável “Os Engenheiros do Caos”. O pesquisador aponta que as pessoas esperam da política as mesmas respostas rápidas que obtêm em apps como iFood, Tinder e etc. Soma-se então elementos centrais como a promessa de punição do establishment e subversão de uma ordem ilegítima. A saída para as esquerdas democráticas (agora postas contra a parede e acusadas de pertencerem ao que certo astrólogo chamava de “estamento burocrático”) é reencontrar o caminho com suas bases para transformar a indignação em esperança. É agir com raciocínio e planejamento ao invés de se conduzir de forma reativa sempre. O problema não está na denúncia contra os malucos, mas em se deixar pautar por eles.[left-sidebar]