A incompreensão da estrutura social provocou uma crise no Nubank
O mundo veio abaixo e a empresária teve que se justificar por pelo menos três vezes, além de pedir desculpas públicas que não arrefeceram a onda de cancelamentos de contas, protestos indignados e o inconveniente de ocupar os trendings como uma empresa racista. Tudo piorou quando foi dito que não são racistas, que até contratam negros.
É preciso entender este episódio a partir do prisma da realidade: o Nubank é uma organização que se forjou sob os signos do progressismo e da modernidade cosmopolita. O engajamento em causas sociais diversas norteia desde o produto até a cosmovisão majoritária de seus consumidores. Outra organização mais conservadora (em termos de Brasil, reacionária) não seria objeto de debate nem por um minuto. Se o proprietário do Madero ou o tal Véio da Havan comentassem algo semelhante, a discussão duraria uns cinco minutos, pois é o que se espera. A fala descuidada de Cristina Junqueira só pode ser comparada a um vendedor de Bíblias indo ao trabalho com uma camiseta da ATEA ironizando a existência de Deus.
Por razões de honestidade, é preciso salientar que provavelmente o Nubak não é uma organização racista no sentido objetivo da palavra. É possível afirmar que a Cristina Junqueira acredite em alguma forma de inclusão, e isto se prova pela trajetória da empresa e por posturas adotadas pela organização. O que não os livra do racismo endêmico que forma o subconsciente do brasileiro (até a negritude é por aprisionada neste mau-sentimento). Esta incompreensão da estrutura social brasileira induziu a moça ao engano. Imagine, será que uma população de mais de cem milhões de indivíduos é incapaz de produzir líderes negros para o banco?
Evidente que uma população tão majoritária só não ocupa posições de forma mais representativa de sua grandeza numérica por conta dos diversos entraves pelo caminho. A outra alternativa é considerar que esta metade da população é majoritariamente composta por incompetentes, preguiçosos e malandros que outras etnias. Quem optar por este raciocínio deve arcar com o peso da escolha, já que este pensamento tem nome e sobrenome. Sim, o Nubank padece deste mesmo racismo endêmico, aquele que alguns chamam de estrutural. É mesmo difícil imaginar que nossos executivos não representem nossas contradições em alguma maneira. São frutos da terra, refletem o inconsciente coletivo. Somos um país que jamais se pensou como sociedade, é natural que um agente do capitalismo se imagine como alheio aos debates da academia, mais ainda que este cidadão dissocie estes problemas do seu ofício.
A real é que somos engrenagens de uma mesma estrutura orgânica que pode e deve ser pontualmente corrigida em suas distorções sempre que possível. Qualquer empresa faz parte da sociedade e possuí responsabilidades com o todo, assumir esta posição é importante para a promoção do bem comum. Se olharmos para sociedades como a do Império Russo e o Haiti pré-revolução o cenário de horror era muito pior que o brasileiro. A incompreensão das elites levou ao colapso, já que a sociedade é um pacto entre os indivíduos e classes e o sentimento difuso de injustiça leva ao caos. Este mesmo pensamento também representa oportunidades: as organizações modernas investem justamente em conceitos humanistas e comunitários (sustentabilidade, gay friendly, Melhores Empresas para Trabalhar e outros), já que um ambiente mais saudável e engajado com o outro torna o capitalismo mais pujante. Nisso o Nubank pode ficar tranquilo: o que o banco adquiriu de valor institucional e de mercado se deu justamente por esta via, logo a inclusão de mais líderes negros e o reconhecimento deste equivoco inicial só trarão bons frutos para a organização.[left-sidebar]