As digitais da extrema-direita nos ataques a escolas

 


Nas primeiras horas de hoje (27/03) tomamos conhecimento sobre mais um ataque violento em escolas, desta vez na Vila Sônia, na capital paulista. O agressor é um adolescente que estudava na escola. Foi contido por valentes professoras e apreendido pela PM. As vítimas foram socorridas, infelizmente uma professora de 70 anos não resistiu e veio a óbito. 


O fenômeno de ataques em escolas praticados por adolescentes radicalizados não era comum no Brasil até 2002, quando duas alunas do colégio Sigma em Salvador (nome sugestivo, aliás) foram mortas por um colega. O crime foi praticado com um revólver calibre 38, arma que pertencia ao pai do assassino, que atuava como perito policial. 


É bom relembrar quantos ataques foram cometidos com armas de fogo porque este é uma exceção. A maioria destes incidentes tem por protagonistas agressores do sexo masculino, brancos e radicalizados por meio das redes. São vítimas de bullying ou eles próprios os agressores, como neste caso: o autor havia praticado racismo contra outro aluno e o caso foi levado a diretoria. É provável até que o ataque tenha se dado porque o agressor não aceitou a repreensão. 


Esta violência irracional não deve ser tratada como sintoma corriqueiro da modernidade, não quando sua materialização passa por tantas mãos. São pais que não ensinam os filhos a respeitarem colegas sob a proteção do “politicamente incorreto” que forja caráter, logo seus rebentos estão livres para torturar o psicológico de colegas. São políticos e grupos militantes pelo armamento civil, que pregam o arreganho e descontrole de armas de fogo e que propiciam aos agressores em potencial um instrumento de destruição muito mais letal. É o ambiente virtual que muitos insistem em manter desregulado, permitindo a grupos extremistas aliciar e doutrinar jovens inseguros. É a pregação extremista que se vale da liberdade de expressão para seu evangelho de morte. 


Os indícios apontam para a extrema-direita, sócia e fiadora da truculência política moderna. Segundo o relatório produzido pelo Grupo de Trabalho da Educação para o grupo de transição do governo, há um sofisticado mecanismo de cooptação e radicalização que se dá por várias frentes – desde o ambiente escolar até as plataformas digitais. Intitulado “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, o documento lista 16 atentados contra escolas que deixaram 36 mortos e 65 feridos. O número não é maior porque outros 34 ataques foram frustrados pelas autoridades. 


“O recrutamento para novos atiradores raramente é feito diretamente para cometer massacres em escolas. Antes disso, os jovens que querem ser aceitos pelo grupo de ódio podem ter que cumprir algumas ordens, como, por exemplo, gravar vídeos caluniando ativistas feministas ou criar páginas e comunidades anônimas para espalhar ódio e fake news”, aponta o relatório. Acresça a isto a crispação social e divisão que o país atravessa desde os idos de 2013 e pronto. Há poucos dias uma mãe vislumbrou “doutrinação” em um livro infantil que dizia (pasmem) que “não era legal ser racista com o amiguinho” e que “homem também pode ajudar nas tarefas domésticas”. Já circulam informações de que os pais do agressor seriam bolsonaristas, assim como era bolsonarista e simpatizante do nazismo o pai do adolescente que atacou uma escola em Aracruz em novembro do ano passado. Óbvio que nem todo eleitor do ex-presidente é violento ou extremista, mas alguns envenenam seus filhos com ódio, criando bombas-relógio em casa que serão detonadas no colo da sociedade.


Aliás, uma sugestão de leitura é “Angry White Man”, do sociólogo norte-americano Michael Kimmel, um trecho dos argumentos do pesquisador pode ser lido abaixo. Porque sim: se os autores destes ataques fossem majoritariamente negros, homossexuais, mulheres ou ainda esquerdistas o debate se faria nos recortes de gênero, raça, classe e ideologia. As características destes ataques deixam claro porque a direita não se esforça em evitar este processo de radicalização delirante.


Faça um pequeno experimento mental. Imagine todos os atiradores violentos da escola em Littleton, Colorado; Pérola, Mississipi; Paducah, Kentucky; Springfield, Oregon; e Jonesboro, Arkansas; agora imagine que eram meninas negras de famílias pobres que viviam em Chicago, New Haven, Newark, Filadélfia ou Providence. Você consegue imaginar o debate nacional, as manchetes, a preocupação? Não há dúvida de que estaríamos tendo um debate nacional sobre meninas negras pobres do centro da cidade. Todo o foco estaria em raça, classe e gênero. A mídia sem dúvida inventaria um novo termo para seu comportamento, como aconteceu com a selvageria duas décadas atrás. Ouvíamos sobre a cultura da pobreza, sobre como viver na cidade gera crime e violência. Ouvíamos alguns especialistas proclamarem alguma suposta tendência natural entre os negros em relação à violência. Alguém provavelmente até culparia o feminismo por fazer com que as meninas se tornassem violentas em uma vã imitação dos meninos.


No entanto, o fato óbvio de que praticamente todos os atiradores violentos da escola eram meninos brancos de classe média mal quebrou uma onda na torrente de discussão pública. Essa uniformidade atravessava todas as outras diferenças entre os atiradores: alguns vinham de famílias intactas, outros de lares monoparentais; alguns meninos haviam agido violentamente no passado e outros eram quietos e despretensiosos; alguns meninos também expressaram raiva de seus pais (dois mataram seus pais na mesma manhã), e outros pareciam viver em famílias felizes.


Percebe-se aqui uma rede de responsabilidades. O incidente da Vila Sônia só não deixou mais vítimas porque o agressor não tinha acesso a armas de fogo, do contrário o número de cadáveres seria maior. Uma senhora morreu e outros tantos correram riscos porque um adolescente foi induzido a acreditar que ser racista é um direito, distorcendo a realidade para culpar justamente quem tentou dissuadi-lo da ideia. Em tempos em que podcasts são utilizados para defender a legalidade de um partido nazista é importante pensar: a quem interessa a radicalização dos jovens? Por qual motivo a difusão da cidadania e combate ao preconceito contra LGBTs, pretos e mulheres é vista com alarmismo enquanto estes incidentes violentos são tratados como tragédias surgidas por geração espontânea? O extremismo de direita tem sede de sangue e fome por cadáveres, principalmente de vítimas indefesas como mulheres, meninas e minorias.[left-sidebar]

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