Dia difícil para os golpistas da Alemanha e Peru
O dia começou com a notícia da prisão de vinte e cinco cidadãos alemães acusados pelo governo daquele país de atividades terroristas e conspiração para subverter a ordem constitucional. Autodenominados “Reichsbürger”, o grupo nega a legitimidade do atual estado alemão. Apesar da aparente maluquice de um grupo que imprime os próprios passaportes e carteiras de motorista por não reconhecerem a oficialidade vigente, o fato é que a organização estava realmente empenhada em tomar o parlamento e instituir o príncipe Henrich Reuss zu Greiz como chefe de estado de uma monarquia ressurreta. Não é preciso dizer que o grupo é de extrema-direita, misturando elementos saudosos do Nazismo a teóricos da conspiração no melhor estilo QAnon.
Aqui no nosso lado também tivemos alguma agitação, já que o presidente Pedro Castillo anunciou a dissolução do parlamento e governo de exceção até que se realizassem novas eleições. Na real o mandatário estava em suas últimas horas, com um Congresso encaminhando a terceira rodada da votação que lhe tiraria o mandato. O golpinho de Castillo foi mais um último e desesperado gesto de força que uma cartada viável. Diga-se de passagem o feito apenas piorou sua situação. Nenhuma instituição reconheceu o golpe, parte dos seus últimos apoiadores debandou e o infame foi preso cerca de duas horas depois. Quem assumiu o mandato foi a vice-presidente Dina Boluarte, que rompeu com o presidente mês passado.
Dois incidentes graves de ameaça a ordem democrática que guardam suas peculiaridades. A Alemanha viveu o horror do nazismo, talvez por isso tenha abordado as defesas legais ao autoritarismo com maior seriedade que na América do Sul. O artigo que Castillo recorreu para tentar o autogolpe é herança de Alberto Fujimori, na qual o presidente pode dissolver o Congresso caso dois votos de desconfiança contra o chefe do Executivo sejam negados em sequência. Aliás, a sedição de Castillo é excelente notícia para o principal nome da oposição: Keiko Fujimori, o primeiro “autogolpista”.
Se vê que o mundo enfrenta uma quadra histórica espinhosa, a democracia é questionada em toda parte enquanto velhas forças do atraso consolidam suas posições. É um tempo de reflexão para as gerações que viam a democracia como um dado da natureza ou para os que diminuíram até aqui a gravidade da campanha dos bárbaros. Na Europa o dilema é a pregação contra os engenheiros do caos, por aqui a luta é na lama, já que temos as milícias, grupos de extermínio e outras mazelas. A democracia na América Latina é assediada pela esquerda e pela direita, sem descanso.
A lição destes episódios é que não se deve transigir com golpe. As constituições democráticas não só criminalizam a prática sob os termos de sedição, crimes contra o Estado e a Constituição, como apontam caminhos muito claros que são ignorados apenas pela conveniência política. O custo da condescendência premiada é a descrença na democracia. Por aqui não punimos os golpistas, torturadores, estupradores e assassinos do Regime Militar. Longe de se recolherem ao papel reservado na Constituição de 88 o que os milicos fizeram foi se meter na política. Em torno de uma agremiação clandestina conhecida como Partido Militar, estes cidadãos fardados tentam solapar as instituições enquanto mantém o país sob tutela. Nem a derrota de Bolsonaro convenceu a caserna a largar o osso, neste exato instante tentam barganhar com o governo eleito. Que Lula e seu entorno tenham a devida noção da realidade, a que não faltou aos alemães que prenderam alguns extremistas os chamando pelo nome: terroristas.
Jack Bauer já dizia que não se negocia com terroristas, pouco importa se são generais de quatro estrelas ou aposentados fascistas fazendo apologia ao crime na porta de quartel. A Constituição deve ser cumprida, o que implica em mandar golpistas para a cadeia e reestruturar nossas Forças Armadas para se atenham a sua vocação institucional. Se Lula não o fizer estará sujeitando o pescoço do brasileiro médio ao coturno de traidores de farda. Se chegamos até aqui é porque não prendemos quem tinha envolvimento em crimes, tergiversamos na defesa da verdade e da democracia. Não podemos esperar que parte dos brasileiros entendam a gravidade se quem está no poder é brando com estas práticas. Não são dias fáceis, mas a máxima de Ulysses Guimarães deve guiar a República:
Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.
Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra.
Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.[left-sidebar]