Moro, o Pedro Malasartes da Lava Jato
É provável que o ex-juiz seja beneficiário do viés de alguns e da imagem que ele construiu de si mesmo. Ainda que falte algum intelecto ou substância, é inegável que o “morismo” agrada um nicho que se estende da classe média a setores das elites. Por motivos diversos o Homem de Preto se tornou a nêmesis do ex-presidente Lula exatamente por ser um suposto técnico em um cargo público atuando com todas as forças para combater o mal supremo – o Partido dos Trabalhadores.
Hoje já se sabe que Moro foi juiz incompetente e parcial, que manteve conversas e articulações impróprias com agentes do Ministério Público, que manipulou a opinião pública com vazamentos e com a quebra de sigilo da Presidência da República (que ao fim insuflou ainda mais os ânimos dos que queriam o impeachment de Dilma Rousseff) e que desde o princípio sua intenção era condenar o ex-presidente que ele elegeu como alvo. Houve muita corrupção nos governos petistas, mas Moro deixou de enquadrar criminosos do colarinho branco para emplacar um projeto político. O seu projeto político.
Quem hoje se espanta com a desenvoltura do improvável Nick Duas Caras esteve de férias ou não absolveu o peso da nomeação de Moro para o Ministério da Justiça durante o governo Bolsonaro, que usou o prestígio do magistrado parcial para forjar a fachada de honestidade que hoje oculta do coração de muitos a corrupção galopante e proximidade com milícias que atuam no Rio de Janeiro. Não custa lembrar que muito se comentou sobre a parceria entre Moro e Bolsonaro nas eleições, informação negada por ambos. O que é fato é que as vésperas do primeiro turno o malandro de toga denunciou os presidenciáveis Geraldo Alckmin e Fernando Haddad. Apesar do arquivamento por falta de provas, a armadilha de Moro pegou e Bolsonaro pode afirmar de boca cheia que todos os seus adversários eram envolvidos com corrupção.
A antipolítica venceu.
A gestão de Moro na pasta da Justiça foi tumultuada. De início tentou levar adiante o projeto ilegal das Dez Medidas contra a Corrupção, peça forjada no covil que a turma lavajatista estabeleceu no Ministério Público Federal de Curitiba. Moro queria mais: queria uma reforma que escolhesse o excludente de ilicitude. Eventualmente o projeto foi cristianizado pelo Centrão que sustentava o governo, mas o Mazzaropi diabólico se manteve no cargo e sem danos a própria dignidade – afinal de contas, ele nunca teve.
Apesar da aparente moderação, Moro sempre curtiu certo autoritarismo no sigilo. Se um dia D. Rosângela Moro afirmou não saber onde começava Moro e terminava Jair, não era mero puxa-saquismo. Seu marido inaugurou uma era de terror em que críticos do governo eram enquadrados na Lei de Segurança Nacional por charges, tweets e críticas públicas. De juiz a jagunço foi só um empurrãozinho.
Bom, Moro deixou o cargo em abril de 2020 acusando o presidente da República de tentativa de interferir na Polícia Federal para favorecer os filhos. Mais adiante advogou para um bilionário suíço obscuro que opera uma mina de diamantes na África. Depois se fez sócio do escritório Alvarez e Marsal, que recebeu mais de R$ 42 milhões de alvos da Operação Lava Jato. Após receber R$ 3,5 milhões desta relação incestuosa o ex-magistrado voltou ao Brasil para concorrer a presidência da República, foi desmascarado por hackers de Araraquara e viu seu sonho adiado pela falta de carisma, pela ação destrambelhada de um deputado estadual aliado em viagem pela Ucrânia e pelo adesismo da classe média que preferia o morismo de tacape – também conhecido como bolsonarismo.
Moro também é traidor contumaz. Traiu o Direito e o Ministério Público que jurou servir, traiu o presidente que o empregou, traiu seu padrinho Álvaro Dias quando voltou ao Paraná após ser escorraçado de São Paulo pela Justiça Eleitoral. Conseguiu driblar as adversidades não pelo talento, mas pela perfídia que lhe é própria. De tão baixo que é, Moro passa por qualquer fresta. De tão indigno não há vexame que ele não possa assimilar, daí a capacidade de se candidatar contra o padrinho o acusando de aliado do petismo e pedindo voto ao paranaense com toda a naturalidade, sem explicar porque aquele eleitorado foi sua segunda opção. De tão invertebrado moral submergiu ao esgoto para reduzir as acusações de crime que fez contra Bolsonaro a simples “divergências”. Por essas e outras que ninguém que acompanha o debate público de maneira minimamente séria e constante pode se dizer surpreso com o chá revelação do caráter de Moro. Fica para ele a definição do grande Câmara Cascudo para o personagem folclórico: "burlão invencível, astucioso, cínico, inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos e sem remorsos".[left-sidebar]