"Bom mesmo era o Feudalismo"

 

Dia desses uma socialite viralizou nas redes graças a teses pouco ortodoxas em que criticava o mundo moderno e defendia a desigualdade. O auge da moça foi a afirmação de que o Feudalismo foi um período áureo na história da humanidade, em que as sociedades não eram divididas pela luta de classes. Neste tempo de suprema felicidade a humanidade vivia plena paz e entendimento. 

A primeira reação do público geral foi caçoar da moça e subestimar sua capacidade intelectual. Veja, não digo que a modelo e ex-Dj seja uma referência em qualquer campo social que seja, posso até concordar que as teses defendidas foram retiradas de vídeos e fragmentos apócrifos que fazem a cabeça do libertarianismo. A mesma personagem defendeu que o consumo de cannabis sativa (aquela erva que já era consumida na China há pelo menos 8 mil anos antes de Cristo) foi uma invenção da União Soviética para destruir o Ocidente, logo não se deve esperar grandes tratados dali. Isso não nos exime de identificar algo de perturbador na sentença, que é a defesa firme de uma sociedade de castas. 

A moça pode não ser brilhante, mas sabe bem que modelo de sociedade deseja. Nascida em berço de ouro, ela quer garantir a continuidade de sua família entre a minoria euro descendente que controla os principais recursos por estas bandas. Não só isso: ela defende a sacralidade de uma ordem hierárquica em que poucos predestinados mandam e muitos desafortunados obedecem. O problema não é querer prosperidade ou poder, mas a luta para que os filhos dos subalternos de hoje continuem tão servis quanto seus pais e avós.

A defesa do feudalismo não autoriza condescendência: era uma sociedade profundamente hierarquizada, o poder era exercido pelos senhores da terra, a Igreja era a mediadora dos conflitos e autoridade espiritual inconteste. Mobilidade social, pluralidade de ideias e questionamento a autoridade eram conceitos impensáveis. Para quem não pertence aos 10% é uma realidade distópica, mas o que muitos chamam de inferno outros chamam de lar. A ex-modelo/ex-DJ idealiza o mando, a submissão e o império que sua raça e sobrenome poderiam garantir aos seus. Ela não quer apenas nossa força de trabalho ou sujeição de classe, ela quer nossa alma. Ela se fez saudosa do feudalismo porque hoje há ao menos um constrangimento em utilizar seres humanos como commodities. Aliás: não voltaremos ao feudalismo. Se estes endemoniados triunfarem no projeto de radicalização da miséria humana, o que teremos é o Brasil transformado em uma festa/leilão da família Armitage. A comentarista branca certamente estará lá ao lado de familiares e amigos negociando corpos negros.

Partindo dessas premissas podemos compreender um pouco melhor o racismo contemporâneo e o extremismo de direita. Os dois fenômenos partem do mesmo sentimento, já que manifestam um amor pela ordem estabelecida no mundo antigo. Se aquela organização era baseada no parasitismo institucionalizado de seus nobres contra o povo, isto é um detalhe que não turva o vislumbre de alguns dos nossos contemporâneos. Também explica muito o que é o Brasil e nosso flerte indecoroso com o passado. Estes incircuncisos querem um capitalismo sevandija, para isso precisam lavar suas reputações forjando uma justificativa atemporal para suas maldades. Atacar o legado iluminista não por suas contradições mas pelas noções de liberdade é outro aspecto que denúncia a vileza. Se inspiram em nomes obscuros como Thomas Carlyle, Hans-Hermann Hoppe, Murray Rothbard, Olavo de Carvalho e outros. Nos tempos de direita testemunhei até sujeitos que citavam Julius Evola e Savitri Devi quando estavam muito a vontade. Os amantes da liberdade têm o extenuante dever de denunciar estas aspirações diabólicas sempre que estas se apresentarem.[left-sidebar]

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