O triunfo de Tarcísio é a derrota definitiva dos revolucionários de 1932

 


O capitão Tarcísio Freitas deve ser o próximo governador do outrora glorioso estado de São Paulo. Ungido para a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes pelo presidente Jair Bolsonaro, Tarcísio aglutinou em torno de si uma série de apoios que vai desde o bolsonarismo nativo até tucanos desavergonhados, passando por aventureiros, carreiristas e oportunistas de todos os credos. Será a derrota definitiva dos revolucionários de 1932. 

Naquele longínquo ano o estado se tornou palco de um levante armado que estourou às oito horas e trinta minutos da noite de 9 de julho de 1932 (a data batiza uma das principais vias da capital do estado). A Força Pública de São Paulo se uniu a unidades do Exército da 2ª Região Militar e grupos civis armados. Estava deflagrada a Revolução Constitucionalista que colocou o estado na vanguarda da democracia, exigindo do governo Getúlio Vargas que governasse o Brasil seguindo uma constituição. Até então o presidente caudilho governava o país sem nenhuma lei que limitasse seus desmandos, inclusive porque o próprio cassou a Constituição de 1891 assim que derrubou o presidente Washington Luís e impediu a posse do sucessor eleito nas eleições de março de 1930, Júlio Prestes.

É evidente que a Revolução de 1932 terá significados distintos a depender de quem a analisa. Extremistas de direita se referem a ela quando tentam exaltar a suposta superioridade paulista (um delírio). Paulistas que são apenas orgulhosos de sua terra a comemoram como um libelo de democracia em uma quadra histórica particularmente difícil em que o Brasil e o mundo viviam a ascensão do autoritarismo. O que devemos lembrar aqui são os fatos: apesar de eventuais contradições e da derrota de suas forças para a superioridade numérica e bélica da União, São Paulo ganhou a história pelo gesto de nobreza que é defender a Constituição e a democracia.

Aquele episódio ainda cala fundo no imaginário paulista, seja pela série de homenagens públicas, monumentos e lendas a respeito, seja pela incompreensão e má-vontade de irmãos brasileiros com aquele incidente. Há quem confunda história e narrativa a ponto de imaginar 32 como um levante separatista, o que nem de longe aconteceu. Os paulistas de ontem queriam uma Constituição e questionavam o arbítrio varguista que se impunha como a chuva que cai. 

O que é dito sempre (com certa razão) é que os constitucionalistas perderam. Ou melhor, foram esmagados pelo poder central. Após aquela derrota as bandeiras estaduais foram proibidos pela ditadura Vargas, que ainda mutilou nossa identidade obrigando uma mudança drástica no brasão desenhado pelo grande José Washt Rodrigues: no lugar de "PRO SAO PAVLO FIANT EXIMIA" entrou o "PRO BRASILIA FIANT EXIMIA". Deixamos o "Por São Paulo, Faça-se o melhor" para uma imposição nacionalista parida pelo varguismo. 

É de se pensar que no ano em que completamos noventa anos da Revolução, novamente um presidente inebriado pelo autoritarismo volta a nomear um interventor forasteiro para tomar nosso estado. O vergonhoso desta feita é que desta vez o forasteiro chega carregado pelos braços do povo, que envenenado pelo antipetismo aceitará no Palácio dos Bandeirantes um sujeito que desconhece e despreza nosso estado, não se interessa por nossa história e dá de ombros para qualquer autoridade que não o miliciano de quem lambe as botas. Nossa elite política desavergonhada cede ao oportunismo, alguns em troca de nacos do poder, outros pelas migalhas mesmo.

A assunção de Tarcísio de Freitas transformará o estado mais rico da federação em cabide para bolsonaristas que serão desalojados de Brasília com a provável derrota de Bolsonaro. A locomotiva do Brasil será convertida em puxadinho da milícia, a cidadela dos tucanos agora estará sob a direção do Escritório do Crime. 

As promessas de Tarcísio são um freak show a parte: retirar a câmera das fardas dos policiais militares, de modo a esvaziar as denúncias contra a violência praticada por agentes do estado. No lugar da engenhosidade e cosmopolitismo entrará o reacionarismo que marca o culto ao presidente miliciano. Não há projetos que inovem nossa infraestrutura, a cultura é tratada com desdém por quem governará o estado com mais aparelhos culturais no país. As universidades e as instituições de estado são consideradas territórios hostis, o que colocará a USP, Instituto Butantã, IPT e outros na mira da escopeta bolsonarista. Metrô, despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, preservação da Mata Atlântica, tudo irá pelos ares. 

São Paulo em escombros é uma derrota para quem convencionamos chamar de heróis. Reduz a simbolismo vazio e veneração fingida as homenagens, o feriado, a gravidade com que se refere aos combatentes. Tudo foi em vão. O estado de São Paulo se dividiu entre o cosmopolitismo superficial e o reacionarismo rastaquera de seus interiores, que vão de mãos dadas rumo ao abismo. Nenhuma das frações ama o estado o suficiente para entender a humilhação histórica que um governador forasteiro representa. Não se trata de preconceito regional não, já tivemos aqui um governador nascido em Macaé - o já citado Washington Luís. Que se fez político em São Paulo por ter uma vida nestas terras, não era um aventureiro agindo como laranja de um sociopata. 

Quem conhece São Paulo sabe do preconceito que alguns dos nossos devotam aos migrantes de outros estados que vem aqui construir sua vida. Desprezamos trabalhadores que buscam uma vida melhor e somos hostis a identidade cultural dos irmãos nordestinos, mas iremos acolher um sujeito arrogante que virá com a especial missão de nos governar. Em nome de um moralismo vazio e um ódio patológico entregaremos aos bárbaros as chaves de Roma. Se no passado nos batíamos por uma Constituição, hoje acolhemos sem qualquer escrúpulo de consciência o testa de ferro de um inimigo declarado da democracia. Como diria aquela canção do Ira: pobre São Paulo, pobre paulista.[left-sidebar]

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