Domingo é dia de decidir o país que queremos
Criado em 1851, o New York Times é até hoje um dos mais respeitados jornais do mundo. Onipresente na cobertura doméstica e internacional, o veículo costuma analisar as movimentações da política sob o prisma da democracia liberal, tida por princípio e ideal apesar de suas imperfeições. O jornal comenta disputas eleitorais em dezenas de nações ao redor do globo. Ao menor sinal de perigo vem de lá o posicionamento claro e contundente em defesa da democracia. Foi assim quando apoiaram a candidatura de Joe Biden pelo caráter legalista de seu projeto. Os Estados Unidos haviam experimentado quatro turbulentos anos de Donald Trump, bastaria mais um ou dois anos do furacão extremista para destruir as bases daquela república.
Este mesmo raciocínio foi empregado nesta quinta-feira (27 de outubro), quando o periódico publicou um posicionamento contundente sobre a disputa que opõe Luís Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Em um vídeo de mais de seis minutos o jornal ressalta a importância da disputa não só para o Brasil, mas para o planeta. “Todos nós precisamos desesperadamente de um novo presidente brasileiro que não queime tudo”, diz o texto. O NYT crava que o atual governo representa uma ameaça à natureza e aos indígenas brasileiros, além de ser inimigo declarado da Constituição e do estado democrático de direito.
O posicionamento pode soar pouco palatável para alguns. Apesar de nossas contradições o nosso papel na cena internacional não é de uma republiqueta, menos ainda de um país que demandasse em qualquer momento a interferência de grupos ou governos estrangeiros. Não é um lugar confortável de se estar, mas é o canto escuro que Jair Bolsonaro relegou ao Brasil: a condição de párea.
Nosso presidente é um bárbaro (com todo o respeito aos povos indo-europeus que saquearam o Império Romano e reconfiguraram o continente europeu). Não há marco civilizatório que Jair não queira esmigalhar, não há convenção social que ele não queira contaminar ou princípio moral que ele não pretenda desvirtuar. Assim como Lúcifer em sua rebelião pelo trono de Deus, também temos em Bolsonaro uma total oposição ao bem comum, a verdade, justiça e liberdade.
Bolsonaro já era tido como uma ameaça quando ascendeu a presidência em 2018. Suas falas indecentes, sua moral deformada e suas aspirações sociopatas chegaram a ser classificadas como simples traços de uma personalidade folclórica. Era tudo tão absurdo que poucos consideraram a hipótese de sinceridade. A época ninguém imaginava que este indivíduo fosse de fato um carniceiro. As ameaças autoritárias poderiam ser contidas pelas instituições ou mesmo neutralizadas pelo arranjo político necessário para que o elemento pudesse governar. O que testemunhamos nestes quatro anos foi um pesadelo coletivo acrescido de paralisia do sono. Como um incubus, Bolsonaro drenou de nós qualquer esperança.
O ponto que o New York Times levanta é evidente. Enfrentamos em Bolsonaro uma ameaça existencial, já que ele é um agente do caos e da morte. As tentativas de normalizá-lo só nos renderam ainda mais agonia, já que sua missão é a mesma do inimigo das almas cristãs: roubar, matar e destruir. Sua obsessão em destruir recursos naturais, seu fetiche na violência como resolução de conflitos e na truculência policial como disciplina para os pobres e pretos que ele considera inferiores, seu desprezo pela noção de igualdade civil de minorias, amor pelo crime e a repulsa a decência nos conduziram a beira do abismo.
O reinado de terror de Bolsonaro nos custou muito mais que as 700 mil vidas perdidas na pandemia. Bolsonaro nos fez perder oportunidades de negócios, freou a ascensão de parcela considerável da população por meio de políticas públicas adotadas por seus antecessores, além de nos arrancar oportunidades futuras. Bolsonaro ainda hipotecou possibilidades de médio prazo ao arrancar nacos do patrimônio público de modo a satisfazer o apetite dos coronéis do centrão. Era isto ou não haveria mais governo. Se ele não se importou com isso é porque o Brasil nunca foi sua prioridade.
Estamos diante da encruzilhada da história. Temos a hipótese de eleger um governante com defeitos e idiossincrasias, mas que respeitou os consensos e não ameaçou nosso arranjo institucional. Do outro lado tem a possibilidade de apenas afiar o machado de nosso carrasco. A escolha não parece difícil para quem pensa no Brasil acima de eventuais rancores ou vantagens. Podemos até pautar nossa escolha analisando de que lado estão os extremistas, os golpistas, os neoescravagistas, os fundamentalistas e os piores picaretas que esta terra já produziu. Domingo iremos decidir o país que queremos. Será o projeto de canibalismo social de Bolsonaro ou a reconstrução de uma pátria tão sofrida que viveu um relacionamento abusivo com uma versão tupiniquim de Idi Amin Dada? A conferir.[left-side]