Ellen Jabour e o Partido dos Herdeiros são contra a politização do entretenimento





Um dos hábitos mais antigos da humanidade é rir de coisas sérias ou de situações absurdas que não deveriam ter lugar em nosso cotidiano. Adotamos esta via porque rindo se corrigem os costumes, como lembra a expressão latina "Ridendo castigat mores". Estes costumes que demandam correção devem ser alvo de alguma chacota, mas o debate deve ir além para que a piada não perca a graça - sobretudo para que nós não tomemos o lugar de palhaços. É bem o caso apontado pela revista Rolling Stones sobre a reação de alguns fãs do Rage Agains the Machine aos protestos e palavras de ordem cometidos pelo grupo em apresentações recentes. Uma das indignadas foi a atriz/modelo/socialite Ellen Jabour, para quem as falas são divisivas, provocam debates acalorados e certo "climão". 


Óbvio que na minha opinião muito particular ela estaria correta em se opor a certas linhas de debate, como o cantor inglês Roger Waters, citado por ela como exemplo desta politização indesejada do espetáculo. Waters é sim um militante de esquerda que flerta com posições radicais, que por vezes resvala no antissemitismo em suas críticas (algumas legítimas) ao Estado de Israel. Mas não foi esta a linha da moça: ela reclamou do debate em si. Quem leu aqueles dois tweets e acompanha futebol certamente se lembrou de quando Tiago Leifert reclamou de manifestações políticas em competições esportivas, afinal tudo o que ele queria era assistir o jogo e não pensar em política. Juntos eles fazem parte do Partido dos Herdeiros, agremiação não oficial que joga nas sombras - e que por isso não gosta do debate público.

Ellen tem em comum com Leifert não só o ar blasé, mas também a condição de quem é privilegiado e se melindra quando outros menos afortunados tentam chamar atenção para suas mazelas. Tudo o que eles querem é entretenimento, mas são obrigados a se chatearem com quem reclama de coisas prosaicas como o direito de não ser morto pela polícia por ter a cor de pele errada. Mais do que isso, estes personagens possuem tamanha certeza de que a estrutura social serve para garantir seus privilégios de casta que reivindicam o direito ao entretenimento banal em meio a barbárie. 


Evidente que os dois possuem diferenças. Leifert é o garoto prodígio filho de um executivo, aquele que nasce ciente da posição que seu mérito (o sobrenome) lhe reserva. Já Ellen é beneficiária desta ordem de forma um tanto mais explícita, já que seu pai é o obscuro Jaisler Jabour. Lobista radicado na capital federal, Jaisler suspeito de participar de fraudes nas licitações da Saúde, foi denunciado pelo Ministério Público por formação de quadrilha, fraude a licitações, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Ali nos idos de 2004 o Ministério Público descobriu que a chamada "Máfia do Sangue" desviou recursos na ordem de R$ 2 bilhões aos cofres públicos. Também se descobriu que o lobista Jaisler usou as filhas Kelly e Ellen como laranjas. A participação das herdeiras não foi passiva, já que assinaram cheques e movimentaram recursos oriundos do esquema. Aliás, Ellen nunca comentou muito sobre o "climão" que foi prestar depoimento a Polícia Federal. Também não houve climão relatado na hora de assinar alguns cheques.

Uma reflexão mais profunda acerca de nossas contradições coloca estas personalidades na berlinda, e por isso eles preferem que não se fale mais nisso. É nesta hora que sacam da manga a carta da despolitização, fazendo alusão a uma comunhão artificial entre as parcelas da população. São anestesistas demoníacos ministrando a morfina do silêncio e superficialidade. Quem não vai acreditar nas boas intenções do rapaz de cashmere e sapatênis? Quem irá duvidar da índole da influencer gratiluz, que sempre demonstra preocupação com amor e boas energias? Daí vem a reação contra quem dispõe de visibilidade na mídia e utiliza sua influência para aquecer debates incômodos. 


 A regra é clara: quem é esmagado pela realidade tem sonhos como o do pastor Martin Luther King Jr. Quem é beneficiário da situação não sonha, já que possuí tudo o que deseja e é senhor daquilo que suas vistas alcançam. Para eles só restam os pesadelos, que incluem desde a competição justa até uma súbita mudança de ordem que lhes retire os privilégios que seus progenitores conquistaram por meios impublicáveis. Não se impressionem pelo aparente desapego ideológico e partidário, eles sabem muito bem por quais bandeiras lutam.[left-sidebar]


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