Quando o teatro não comove mais

Incidentes como o de ontem seriam recebidos com mais gravidade em uma sociedade um pouco mais saudável. A internação de um chefe de estado é sempre percebida como algo sério, já que o posto representa o caráter de coesão, liderança e dignidade que está acima das diferenças entre alguns cidadãos e o ocupante temporário do cargo. Monarcas, presidentes e primeiro-ministros (que não são chefes de estado, é claro) costumam despertar paixões entre apoiadores e antagonistas – mas tudo isto é menor que aquilo que une suas sociedades. A exceção, é claro, é Bolsonaro. Os memes e impropérios a respeito de sua entrada no hospital para tratar uma obstrução intestinal servem de termômetro das estratégias de seu governo e dão dimensão da sua obra. 

Bolsonaro causou comoção ao ser esfaqueado por Adélio Bispo, episódio extremo que serviu de duro teste para a solidez de nossa democracia. Ao perceber que até seus adversários se quedaram ao delicado instante, Jair vislumbrou uma oportunidade. Longe de aprender valores de urbanidade, solidariedade e ética, o então deputado do baixo clero manipular os escrúpulos alheios. Politizou o ataque, vilipendiou adversários e conquistou espaço cativo no noticiário, dispensando debates e apostando em fake news.

O expediente continuou após a vitória eleitoral, já que o presidente eleito jamais desceu do palanque. Seu caótico governo foi pontuado por confusões fabricadas que fermentaram outras crises pré-existentes. Com o advento da pandemia houve a aposta na delinquência para assim transformar nosso sistema político em uma democracia iliberal (bem ao gosto dos Órbans, Kasts e outros amiguinhos do presidente). Uma das ferramentas utilizadas por Jair foram as aparições populistas em manifestações, “motociatas”, passeios de Jet ski no litoral (normalmente Guarujá ou Balneário Camboriu) e visitas ao comércio popular. O presidente que faz inveja a Aloísio Chulapa na disposição para o rolê (inclusive em horário de expediente) ganhou a boca do povo metendo atestado no primeiro dia útil do ano. Sim, o sujeito deveria zelar por sua dieta – mas ao que parece é melhor farrear sem limites. De acordo com o Mago Carluxo esta é uma oportunidade de ouro para fotos e declarações tristes que irão desviar a atenção de algum escândalo ou notícia negativa.

A estratégia funcionou bem até tempos atrás, a última internação foi recebia com enorme atenção. O desgaste, no entanto, já se anunciava ali. Aquela altura o Brasil ainda contabilizava a pilha de mortos pela COVID-19, o estado de saúde do presidente não gerou a mesma comoção registrada nas eleições. Agora, em 2022, o que se viu foi deboche, chacota e até torcida para que a doença vencesse. Como chegamos a este ponto? Óbvio, com a ajuda de Bolsonaro! Foi ele quem fomentou a discórdia e investiu na implosão da sociedade e seus consensos, ao que parece foi atingido pela tempestade que semeou. 

Como não sou poliana, não considero que ele fique pessoalmente chateado com isso. Frio e rastejante como é deve engolir tudo pela fosseta lacrimal como confessou tempos atrás. O que pega para o capitão de milícia é a perda de efetividade na estratégia. Aquela pantomima só rendeu deboche e memes matadores, além de colocar a palavra “VAGABUNDO” nos trending topics do Twitter. Seja como for, fica claro que o festim de Bolsonaro já não pauta a sociedade como outrora. O fiasco do desfile de blindados fumegantes da Marinha em Brasília e o arrego pós-manifestações golpistas de 7 de setembro se encaixam na categoria de artimanhas ilusionistas para entreter o gado e projetar força.

Aliás: no Mágico de Oz se descobre que o poderoso feiticeiro não passava de um homúnculo que dominava a terra com ilusionismo e fraudes. Por aqui temos o Mago de Rio das Pedras, um parasita do baixo clero que conseguiu a façanha de se vender como o Salvador da Pátria. Agora o truque já está manjado, nem seus desarranjos estomacais são capazes de comover quem não foi vítima de sua lavagem cerebral.[left-sidebar]

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