O fuzil é tão indigesto quanto a energia alta e a inflação
Pesadelo é um elogio
Pra quem vive na guerra, a paz nunca existiu
Num clima quente, a minha gente sua frio
Vi um pretinho, seu caderno era um fuzil
Um fuzil
Racionais MC's / Negro Drama
Os historiadores são quase unânimes em afirmar que a Rainha Maria Antonieta jamais debochou da fome dos franceses com a infame frase: “Se não tem pão, que comam brioches”. A frase era uma fake news ou distorção publicada por algum jornalista maldoso, mas não foi ela quem selou o destino do Antigo Regime. Luís XVI foi um governante desastroso em vários aspectos. Preocupado em impressionar a Europa se ocupou de mostrar em Versalhes a pujança dos poucos senhores, ao passo que os miseráveis foram entregues a própria sorte. Quando alguns colonos se insurgiram contra os impostos cobrados pela Inglaterra sobre o chá e sobre o selo, lá foi Luís emprestar apoio militar aos revoltosos para afrontar seu rival geopolítico. O trágico (principalmente para ele) é que isto arruinou ainda mais as contas do estado, espraiou revolta entre a burguesia e até alguns elementos da aristocracia e terminou com a decapitação do rei e de sua esposa.
Luís XVI não pereceu pela frase atribuída a Maria Antonieta: ele e seu regime que eram tão perversos que poucos duvidaram da distorção sobre pães e brioches. Bem, Luís era péssimo – mas ainda assim seguia uma linha de pensamento consolidado. Não era como nosso terrível miliciano, que em pleno século XXI prega golpe de estado e sugere voto impresso. Inclusive é penoso pensar que o débil Luís XVI não cometeu genocídio algum contra seu povo, mesmo sem cobrar propina por vacinas terminou subindo ao cadafalso. Faltou um Arthur Lira e uma dúzia de prostitutas de farda.
Não é o caso do presidente Jair Bolsonaro, que de fato afirmou que fuzil é mais importante que pão. Em frente as câmeras e tudo. O sujeito é a maldade absoluta, capaz de praticar as maiores atrocidades sem pestanejar. Se Maria Antonieta nunca sugeriu o brioche, Jair sugeriu sim que feijão não é prioridade. Jair (assim como o Antigo Regime) não tem o bem-estar do povo como meta de seu governo. O país de Jair está restrito a milicianos, jagunços, empresários escravocratas, pastores (que podem ser fundamentalistas ou malandros), aventureiros e os que são simplesmente fascistas. Aos pobres não interessa deixar nenhum excedente: Bolsonaro não governa para eles, com eles ou por eles. Ao contrário.
Se na internet alguns associam que seja “surpreendente” que na mesma semana se anuncie alta na energia, no gás de cozinha, nos combustíveis e até um PIB negativo, o projeto é este mesmo. As falas de Paulo Guedes que horrorizam a sociedade civilizada encontram eco nas profundezas abissais da alma bolsonarista. Eles anseiam por este país que não é nação, sem solidariedade ou espírito público, mas armado até os dentes para garantir os interesses mesquinhos.
Será bom para todos os componentes das elites? Não, os acontecimentos recentes provam a hecatombe. Falta comida nos quartéis a ponto do alto comando do Exército cogitar meio-expediente para contornar a escassez (e aqueles gastos com leite condensado e whisky, alguma explicação?). Detalhe que não ocorreu a nenhum dos golpistas de farda a ideia de manter as tropas em período integral porque os fuzis são mais importantes, enfim... O PIB derrete enquanto o dólar avança. A vida se tornou inviável. Democraticamente as chances de Jair mínguam a cada dia, só mesmo um indigesto fuzil apontado para a gente assustada poderá manter no poder um carniceiro desalmado. O caos está posto.[left-sidebar]