Quase sempre o lugar do negro no esporte é o de alvo


 

Olimpíadas sempre serão palco para debates importantes, por acaso o racismo é um deles. Para nós aqui neste fim de mundo chamado Brasil o que causa indignação é a "forçação de barra" em torno de Arthur Nory. O atleta da ginástica olímpica se tornou famoso após uma inesquecível piadinha racista contra Ângelo Assumpção, seu colega de seleção quando ambos treinavam juntos no Esporte Clube Pinheiros. 

Quem fizer um esforço pode refrescar a memória: Nory fez uma brincadeira (se podemos chamar assim) comparando Assumpção a um saco de lixo. O vídeo causou repercussão e Nory foi afastado do clube, mas logo reabilitado a ponto de hoje fazer parte da seleção olímpica do Brasil. A bucha mesmo ficou com o único negro do time (por acaso a vítima). O jovem foi colocado no ostracismo, posteriormente demitido e até hoje treina sem patrocínio. Enquanto a Globo exaltava Nory, Ângelo (que não foi convocado) estava em consulta com uma psicologa. Este caminhão de indignidade despertou ira nas redes. Quando milhares reclamaram da injustiça a reação de Nory foi contestar o ódio que recebeu. Detalhe cômico: Nory diz que até hoje paga pelo que fez.

Sim, você não leu errado. O moço aclamado pela Globo apesar do racismo recreativo diz que até hoje paga pelo que fez. Com o perdão do exagero, este comentário está na mesma categoria de Guilherme de Pádua (ex-ator assassino de Daniela Perez, hoje militante bolsonarista pela família e bons costumes). Aparentemente o rapaz pagou por seu crime, mas sua vítima está morta enquanto ele apoia um presidente genocida e viaja o país com a nova esposa.

O caso com o Nory lembrou de outra infâmia recente do esporte: a Inglaterra (que tem a exótica tradição de perder títulos) pagou caro pela falta de inteligência do treinador Gareth Southgate. Os jovens atacantes Rashford e Sancho entraram em campo apenas aos 14 minutos do segundo tempo da prorrogação e já com o intuito de bater os pênaltis futuramente perdidos contra a Itália. Quem pagou caro foram os dois que entraram frios para a cobrança de pênalti e seus colegas negros da seleção. Um caso tão chocante que contou com a intervenção do Príncipe William em defesa dos atletas negros.

Isso nos faz pensar sobre o lugar que ocupamos neste Ocidente em ruína moral. Quando vencemos as vitórias são coletivas, quando erramos elas são individualizadas e relacionadas a nossa raça. Vamos recapitular: nossos antepassados foram sequestrados, junto com o cárcere privado vieram trabalhos forçados e marginalidade social. Quase sempre o lugar do negro no esporte é o de alvo (ao menos é assim no E.C. Pinheiros, que já foi o time dos alemães de São Paulo. Aliás, o Google mostra o que era o E.C. Pinheiros antes da mudança de nomes e cores: sócios exibiam a suástica nazista com orgulho nas dependências do clube). 

O que se abateu sobre Ângelo Assumpção foi vingança contra quem não se calou. Ainda assim é Nory que se acha vítima: mesmo sem sofrer 1% do que aconteceu com seu colega, ele não se conforma que o julguem pelo que ele de fato é (só mais um privilegiado inconsequente). É bom que se reflita mais sobre este vitimismo dos andares superiores, sobretudo de gente privilegiada pelo sistema desenhado por seus antepassados. É a mesma laia que reclama do politicamente correto, do mimimi, das divisões. Essa gente tem saudades de tempos mais simples, onde negros eram amarrados no tronco e pronto. Hoje eles até mobilizam parte da sociedade para incomodar o lazer e divertimento de um promissor racista como Nory.

Que fique claro, pessoalmente acredito em mudança de caráter. Como cristão não posso crer em outra coisa, mas mesmo nossa fé é clara ao impor condições para tal: uma delas é a contrição, a reflexão profunda sobre si. A outra é a mudança de atitude que reflete a metanoia. Se Nory sente que “errou” com o colega deveria ter ciência da gravidade do ato e ser um porta-voz eterno contra o racismo. Se hoje ele se incomoda com quem denuncia o absurdo que é a ausência de Ângelo da seleção e o ostracismo da qual foi vítima, então talvez aquele pedido de desculpas tenha a mesma essência das notinhas de repúdio que se tornaram moda nos gabinetes das instituições brasileiras.[left-sidebar]

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