O jornalismo à deriva
As expressivas manifestações contrárias ao governo Bolsonaro foram o centro do debate nos últimos dias por conta de seus vários significados, dividindo espaço apenas com a decisão editorial de veículos tradicionais que optaram por não noticiar o acontecido. Pode ser miopia, desatino, falta de coragem, estratégia ou método. De qualquer modo o resultado é péssimo.
Ignorar as manifestações (sejam elas quais forem) reforça as críticas feitas por diversos segmentos políticos a respeito da parcialidade dos veículos tradicionais, sempre engajados com uma dúzia de famílias que administra a informação como arma política. O que não é ilegítimo, mas que da forma cínica como é praticado induz ao descrédito.
Conta-se que as Diretas foram ignoradas por alguns destes jornalões, mas a história não se esqueceu do evento e nem de quem fez cara de paisagem a respeito. A história não esqueceu de outras manipulações que reforçam a nodoa de constrangimento nas vestes não muito alvas de certos grupos. Certamente não se esquecerá de ontem.
Que fique claro, aqui não se recomenda que a imprensa abrace qualquer mobilização por ser supostamente progressista ou antibolsonarista. Veículos de imprensa devem ser livres até para adotar linhas editoriais conservadoras como faz a Gazeta do Povo no Paraná. O que importa é a transparência e o serviço a informação, além da honestidade dos profissionais envolvidos (nisto a mesma Gazeta falha, até um abjeto como Rodrigo Constantino mantém seu espaço por lá).
Sim, são os profissionais de imprensa os que mais se desgastam nestas horas. Tudo o que se viu nos últimos amargos anos foi o derretimento da moral da classe jornalística, que em grande parte é imerecido. Um punhado de diretores decide algo e o time inteiro sofre nas ruas o peso do equivoco. Os iluminados do Estadão e O Globo decidiram boicotar os fatos, mas quem sofre cobrança são seus funcionários (que depois serão enxotados de manifestações bolsonaristas ou lulopetistas como representantes do lado oposto). É o jornalismo a deriva.
Seja como for, foi um vexame. O "fingir-se de cego” fica melhor no Pravda, Pyongyang Sinmun e Granma. O ápice da indigência vem quando veículos estrangeiros como El País, Guardian, Deutsche Welle destacam fatos acontecidos aqui enquanto medalhões da imprensa nativa enfiam a cabeça na terra. Inclusive porque aquelas notícias irrelevantes nas capas lembram muito as receitas de bolo que preenchiam os buracos deixados pelos censores, o que em si é um posicionamento. Como diria o crítico gastronômico Jota Bê, “não matem o menino jornalismo”.[left-sidebar]