Que venham as vinhas da Ira
Ainda ontem figuei intrigado sobre a origem de um título tão forte, que traz uma óbvia relação com o Evangelho. Descobri que foi sugestão da primeira esposa do autor, já que o pai da obra encontrava dificuldades em batizar seu escrito. A referência de Carol Steinbeck está na canção patriótica “The Battle Hymn of the Republic”. A própria composição tem forte inspiração bíblica, tanto que virou hino em muitas denominações chegando até nós como “Vencendo vem Jesus”. A base da letra é Apocalipse 14 19-20.
Os meus olhos viram a glória da vinda do Senhor:
Ele está pisando fora da safra, onde as vinhas da ira são armazenadas;
Ele Deus desferiu o relâmpago fatídico da Sua terrível espada rápida:
A Sua verdade está em marcha.
Quem conhece os Evangelhos sabe do peso destas linhas. É o livro da Revelação, onde tudo o que está oculto será mostrado ao mundo. Também traz a libertação do homem e do acerto de contas prometido pelo próprio Deus. Esta mesma passagem aparece no discurso do pastor Martin Luther King Jr. em Selma: ali a passagem era a resposta ao anseio por um novo tempo de igualdade que haveria de vir após os ´seculos de arbítrio, segregação e injustiça. Sim, a referência utilizada por Carol Steinbeck é responsável por coroar o drama da obra.
Esta brisa toda só me fez lembrar destes dias sangrentos que vivemos, enterrando mais brasileiros todos os dias que em qualquer outro período da história. Enquanto produzimos cadáveres e miséria em ritmo industrial, as gangues que se estendem dos templos cristãos até as instituições se associam ao líder mais perverso que já governou este território desde que os registros históricos são produzidos. A tensão social produzida por estas circunstâncias (e patrocinadas pelos arautos da morte) aos poucos escala. Considerando o pouco interesse por parte dos senhores da guerra em propor uma solução, uma conciliação ou qualquer ato de humanidade, um fim brusco parece inevitável.
Se pensarmos nas “vinhas da ira” desta pátria insólita, o tempo para uma conclusão se aproxima. É impossível conceber uma realidade em que o genocídio e a aventura golpista provocam tamanhos danos e mortes sem que ninguém se levante contra a barbárie. Este tempo virá, e sua conclusão deve ser proporcional ao horror produzido pelos que agora ostentam os chicotes. Se não for desta forma que esta mesma justiça recaia sobre nós, os vivos que de tão fracos e indignos não foram capazes de reparar a injustiça feita aos que sofreram na carne e no espírito a dor destes dias.[left-sidebar]