O fracassado projeto de capitalismo da Barbie caipira
Já era sábado quando passou na tl do meu Twitter uma das mais recentes polemiquinhas que dizem muito. Uma ex-BBB convertida em “influencer”, “coach” e “mentora de empreendedorismo” (seja lá o que significa) viralizou após um vídeo em que lamentava a ausência de empregadas nos Estados Unidos, para onde se mudou recentemente. Quer dizer: Adriana Sant’Anna lamentava que as trabalhadoras domésticas na América do Norte não aceitam receber pouco pelos serviços prestados.
A moça que vende autoajuda e conceitos genéricos em suas redes, repete o tempo todo o quanto “merecemos mais”, que “não podemos nos conformar com a mediocridade”. O papo de coach, registre-se, vale apenas para seus iguais (como Heloísa Bolsonaro, nora do abjeto presidente e aspirante a ditador – que é amiga da autora das pérolas).
“Aqui ganha por hora de trabalho e eu quero alguém para ficar aqui o tempo todo, fazendo tudo para mim e não acho. Eu preciso trabalhar, essas coisas que tenho que ficar fazendo não dá, que é lavar roupa, passar, arrumar, organizar, pegar bagunça de criança. A gente no Brasil estava feita. Porque lá uma pessoa faz tudo. Aqui, para passar 25 dólares a hora a mais, para dobrar 25 dólares. Ah, para poder esticar o braço, mais 10 dólares. É assim. Então, você que tem alguém no Brasil, ajoelha e agradeça a Jesus”.
Poderia dizer muito sobre o episódio, sobre como a moça reflete o pensamento escravagista que sustenta nosso quadro social. Ficou bem claro que a cosmovisão da moça contempla uma sociedade com códigos sociais muito rígidos. A perspectiva dela é sempre a do patrão, além de dizer que “no Brasil temos a sorte de encontrar trabalhadores que não fazem mil e uma exigências financeiras”. A verdade não é esta, já que os Estados Unidos são ao mesmo tempo, um império e praticam muito pouco do que chamamos de justiça social. O que há ali é uma sociedade civil forte e organizada que consegue se impor e diminuir a selvageria sistêmica. Como o capitalismo avançou por lá, estão melhores que nós mesmo sem uma legislação trabalhista.
Ah! Nós somos pobres. Emergentes não: pobres mesmo. Não há uma sociedade civil forte, o que deixa as camadas mais pobres ainda mais sujeitas ao parasitismo de Adriana Sant’Anna e seus pares. Nossos vampiros andam a luz do dia sugando o sangue dos miseráveis. Não são assustadores como o Drácula de Bran Stocker. Normalmente usam camisas da Dudalina, reclamam que o empreendedor carrega o país nas costas e acreditam que políticas sociais são criadouros de vagabundos. Tipos como Adriana Sant’Anna.
É preciso deixar claro (pela milésima vez) que o projeto de capitalismo da Barbie caipira é tão fracassado quanto nosso projeto de Brasil (até por ser uma cópia, né?). Reparem que mesmo sendo a emergente que é, a moça reivindica mimos típicos dos aristocratas de dois séculos atrás. É uma moça para cozinhar, uma criada para cuidar das crianças, uma terceira para arrumar a casa e talvez uma menina que cuide dos penicos, da lenha e dos animais. Considerando que a moça teve inúmeras oportunidades de adquirir informação, e que uma vez confrontada pelas redes preferiu se refugiar na macabra tese de que “hoje em dia tudo é mimimi” é possível poupar o latim acadêmico. Porque ali a questão é de caráter.[left-sidebar]