O bolsonarismo derrotado
O jornalista Elio Gaspari é um dos Titãs da crítica política brasileira, conhecido sobretudo pela série que esmiúça as fases e nuances da ditadura. São cinco: A ditadura envergonhada, A ditadura escancarada, A ditadura derrotada, A ditadura encurralada e A ditadura acabada. É uma série muito importante para a compreensão daquele período, um registro muito necessário em um país em que elites criminosas praticavam os fatos alternativos antes de virar modinha com o consórcio criminoso Stone, Trump & Bannon nos Estados Unidos.
Lembrei do Gaspari ontem, quando os resultados das eleições municipais apontavam para o grande derrotado, o presidente Jair Bolsonaro. Assim como naquele processo de ruptura em 1964, Jair também se valeu do quase colapso da política para envolver às instituições com suas trevas autoritárias. Reciclou alguns chavões e espantalhos daquele período, investiu na divisão, desinformação e censura. Cooptou desde setores reacionários até as massas trabalhadoras desiludidas com os descaminhos da Nova República. Exatamente como um certo Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, eleito pelo colégio eleitoral para suceder o deposto João Goulart.
Não para por aí: uma vez no poder, Jair e seu Rasputin Olavo decidiram radicalizar. Em torno de Bolsonaro e seus filhos Carlos, Flávio e Eduardo, formou-se uma espécie de liga da injustiça que contava ainda com Ernesto Araújo, Damares Alves, os irmãos Weintraub, um secretário nazista, um capitão do mato e outras figuras deploráveis. Inebriados pela própria narrativa, perseguiram adversários, vandalizaram o Estado e cooptaram as forças armadas. Neste período de insanidade fora do controle os moderados foram extirpados, cogitou-se até intervenção no Supremo Tribunal Federal e fechamento do Congresso. Era o bolsonarismo escancarado.
Algumas questões mudaram, e com alguns cadáveres na conta da negligência calculada, chegamos até novembro de 2020 com um cenário de terra arrasada: crise econômica, pandemia, sucessivas denúncias de corrupção, derrota do demiurgo americano e uma verdadeira surra nas urnas - inclusive para o PSOL. Considerando o caráter místico das narrativas propostas pelo bolsolavismo, não causa espanto a confusão mental que acomete os membros da seita: o famigerado Filipe G Martins se explicou com uma análise estranhamente realista, porém completamente distinta do que foi dito pelo presidente. Já o satânico Olavo tentou lançar seus fatos alternativos. Apesar da desconfiança que fomentam, a estratégia do ódio fermentado parece ter atingido seu teto.
São tempos interessantes: aqueles que se convenceram de um destino manifesto enfrentam as consequências de seus atos e a ojeriza dos brasileiros. Faltam ainda dois anos e alguns dias para o final do primeiro mandato, o cenário hostil indica uma instabilidade sem precedentes tanto para o governo quanto para o país. Podemos ter outro impeachment sim, sobretudo quando o bolsonarismo sofre um repúdio tão acachapante depois de um desgaste sem precedentes com o setor militar. Temos então o bolsonarismo derrotado.[left-sidebar]