O Grande Ego do Nero Caipira
Os últimos dias foram agitados para a política internacional, adquirindo ares de tragédia nesta parte melancólica do globo. Oficialmente a eleição para presidente dos Estados Unidos é assunto dos cidadãos daquele país, mas por aqui a disputa dividiu os observadores tupiniquins em duas torcidas distintas que vibraram até o último minuto por seus times. Mesmo agora, dias após o consenso estabelecido em torno de Joe Biden, ainda temos torcedores contestando supostos pênaltis não marcados, apontando faltas que tiraram o doce das mãos de Donald Trump.
O culpado por este ridículo é Jair Bolsonaro, nosso presidente que de tão deslumbrado com a proximidade mística com o presidente dos Estados Unidos fez o que estava a seu alcance para destruir a tradição diplomática brasileira. Foi muito bem-sucedido em sua missão: o Brasil de Rui Barbosa, Barão do Rio Branco e Oswaldo Aranha se tornou uma idiocracia tropical. A necropolítica trumpista é um grande case, um reflexo da falta de limite do grande ego desses homens pequenos. Mais cedo teve o caso com a Anvisa e o presidente vibrando pela morte de um voluntário (que infelizmente tirou a própria vida ou foi vítima de uma overdose). Em Trump Jair encontrava a justificativa para a própria miséria, um modo de tornar mais nobre seu espírito de porco. Quem poderá ser sua referência agora, o discreto Putin? O príncipe Mohammad Bin Salman, um carniceiro que ordenou a morte e desmembramento do jornalista opositor Jamal Kashoggi? Pobre Bolsonaro, se tornou um um homem sem referências...
Segundo alguns assessores ouvidos por diversos veículos, o presidente Bolsonaro se mostrou abatido e descrente com a derrota de seu amo. O ridículo só tomou forma porque Jair preferiu se conduzir desta forma indigna. Diga-se de passagem, pode ser mais por cálculo que amor: o momento político de 2018 ainda tinha o trumpismo como grande referência da nova extrema-direita, um discurso que deixava desnorteados os agentes da política tradicional por meio da retórica virulenta e do domínio das redes. Problema para Bolsonaro é que se em 2020 a estratégia sinaliza esgotamento (vide os números pífios de seus candidatos nas principais capitais), imagine em 2022.
A movimentação deverá ser cirúrgica, já que o capitão de milícias busca justificar eventuais fiascos com teses plagiadas de Trump. Inclusive esta é a tônica de seu governo: copiar tudo o que o excêntrico bilionário opera sem nem ao menos adaptar para nosso contexto. O negacionismo, a obsessão pela cloroquina, a disputa ilógica com a China e agora o voto impresso, tudo foi plagiado da política americana. Se agora o figura se desespera é porque cachorros velhos não aprendem truques novos, e Jair teme não atender a altura os anseios de sua claque por mentiras cada vez mais cabeludas que camuflam seus fetiches reacionários. Como o único compromisso de nosso déspota não-esclarecido é com seus delírios de grandeza, não há no horizonte nada que possa botar freio em seu desatino.
Aliás: enquanto escrevia este texto soube que o capitão quase expulso do Exército por desonra ameaçou o mandatário eleito dos Estados Unidos da América. Sim, Nero tocou lira enquanto Roma ardia em chamas. Depois de imolar milhares em seu negacionismo, Bolsonaro parece inclinado a fazer o mesmo por aqui. Jair se forjou na milícia, mas foi eleito pela incerteza e governa pelo caos. É bom tomar pé da realidade: ele só vai parar quando tudo for reduzido a cinzas.[left-sidebar]