Um pastor encrencado e seu discurso complicado contra as cotas



Um vídeo com uma fala do pastor Josué Bergston ganhou as redes não pela porção do Espírito Santo que dispensava a igreja, mas pelo espírito de porco que vicejava em suas palavras. No trecho em questão o pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular exortava sua congregação contra a política de cotas raciais. No meio da confusa exposição ele dispara: "Não voaria em um avião em que alguém entrou como piloto por cota". E completou: "É por isso que de vez em quando cai um avião".



Não há muito o que dizer sobre a fala do pastor, que é abjeta, preconceituosa e rasteira. O pastor com seu sobrenome nórdico fez a declaração em uma congregação na capital de um estado que concentra população majoritariamente miscigenada: 73% pardos, 3,5% negros e 0,6% indígenas. Na prática Josué exortou esta maioria excluída que não fizesse uso de políticas públicas conquistadas a duras penas em um país tão desigual.

A fala é preconceituosa também. Porque não é impossível presumir que um indivíduo beneficiado com políticas de cotas para o ingresso no ensino superior não poderá ser um profissional de excelência em sua área de atuação - e isso justamente porque o programa trata de estabelecer acesso e não conceder diplomas de forma indiscriminada. Uma vez acolhido no ensino o aluno será enquadrado no mesmo sistema de avaliação daquele aprovado na seleção geral, de onde se conclui que a fala do pastor consegue ser errada em todos os níveis por simplesmente não ter ideia de como o sistema funciona.

Este autor tem suas questões com o sistema de cotas, penso que um regime pautado no recorte social seria mais justo e efetivo. Mas qualquer um que queira debater este assunto deve primeiro se debruçar sobre o tema e depois formular soluções considerando a demanda social. E que em um país onde quase nada foi feito para o negro que não a abolição talvez seja melhor manter uma política com  O caso do pastor parece ser o contrário: ele simplesmente abomina que se dê oportunidades, que se façam políticas públicas.

Soa bizarra uma declaração dessas na boca de um líder que se diz cristão, sobretudo pela soberba e insensibilidade. O cidadão que lidera uma igreja provavelmente tão preta quanto as outras. Segundo pesquisa  do Datafolha divulgada  em janeiro deste ano 59% dos brasileiros evangélicos se declaram negros ou pardos. Esta maioria inclusive é pentecostal, assim como Josué, o insensato que deseja que seus irmãos em Cristo não recorram a programas porque as vozes em sua cabeça dizem que é feio.

Claro, o pastor é um desinformante. Sua única agenda aqui é criticar o acesso, por isso mesmo ele resume toda a complexidade socioeconômica de um país aos achismos reducionistas que pregou naquele culto. Aliás, perdeu uma grande oportunidade de ficar calado.

É, se o pastor não ficasse calado atribuindo quedas de aviões a cotistas não nos lembraríamos que ele também é deputado federal no segundo mandato, e que se enrolou na justiça com um escândalo de enriquecimento ilícito e envolvimento na máfia das sanguessugas. Acabou condenado e até onde se sabe está inelegível. Bengston (que alguns sites apontam como tio da ministra Damares Alves) ainda aparece como personagem coadjuvante em um crime supostamente encomendado por seu irmão Marcos. O pastor se apresentou como proprietário de uma fazenda disputada por grileiros e sem-terras com um documento considerado suspeito. No final um líder sem-terra acabou assassinado e um dos filhos do pastor foi apontado como o mandante. O crime ainda não foi esclarecido. Seja como for, para certas coisas não é necessário nenhuma política de cotas.[left-sidebar]

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