O ministro terrivelmente evangélico transformou a pasta da Justiça em Stasi bolsonarista
Trecho da minha coluna para o Vértice. Comento a seguir:
Caiu como uma bomba a notícia de que um órgão ligado ao Ministério da Justiça produziu dossiês contra servidores críticos do governo Bolsonaro que se posicionam nas redes como "antifascistas". Entre os alvos da arapongagem miliciana estão policiais civis e militares, professores universitários e três destacados ex-secretários. A loucura é tamanhã que até o cientista político e histórico defensor dos Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro foi alvo dos relatórios.
A ação sigilosa tocada pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) é emblemática: enquanto seus agentes monitoram cidadãos brasileiros pelo crime de pensamento e ousadia do dever cívico, pedófilos, traficantes e milicianos correm soltos sem que a inteligência do Ministério da Justiça dê respostas a sociedade.
Os investigados estabelecem outra linha tênue entre o politicamente aceitável e o crime contra o Estado democrático de Direito: a motivação não foi nenhum atentado terrorista em andamento, nenhum golpe de Estado ou plano de perturbação da ordem. Foi simplesmente a identificação com o "antifascismo".
Para se ter noção da loucura, um dos monitorados é o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro. O perigoso subversivo é doutor em ciência política pela Universidade de Paris, foi secretário nacional dos Direitos Humanos durante o governo Fernando Henrique Cardoso e presidente da comissão internacional da Organização das Nações Unidas sobre a República Árabe da Síria. Este perigoso agente do caos atualmente ocupa o Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Pois é, mais um dia do ministro e pastor André Mendonça no Ministério da Justiça. Mais um episódio de indignidade, de servilismo, de canalhice.
Não me alegro com estas constatações, lamento até. Mas não é possível fugir da realidade. O pastor presbiteriano presta um desserviço ao país e a igreja de Cristo.
Alguns dirão que o tom é desproporcional, que divergências políticas não devem ser tratadas desta forma. Mas aqui não é caso de opinião, e sim de violação de diretos. Começa com o monitoramento e termina com a institucionalização de uma Stasi bolsonarista.
O que nos garante direitos como liberdade de culto e de opinião são os mesmos princípios que o pastor ameaça ao permitir que sua pasta se conduza como chicote do presidente, como covil de milicianos. Se este conceito deixar de fazer sentido, ninguém estará seguro.
Nem os que abominam os evangélicos, nem os próprios evangélicos.
Vou além: uma vez que não exista mais a liberdade plena como garantida hoje pela Constituição, o que teremos? O tirano da vez é amigo, mas o caudilho de amanhã não vai com a nossa cara e nos fuzila, exila ou prende?
Aliás, desde quando a igreja perseguida passou a reivindicar o papel de perseguidora, já que é coparticipe deste governo imundo? Que ele é permitido por Deus não há dúvidas, o que não é mandamento é ser cúmplice. Mas digamos que estas violações se desdobrem em outras mais terríveis, como já aconteceu nos idos de 68. Como fica o Evangelho?
É, não custa lembrar que por aquele tempo muitos apoiaram a derrubada de João Goulart. Até aí tudo bem, convulsão social, paranoia anticomunista, guerra fria e etc. O que não se explicou jamais foi o apoio ao regime de exceção que se instaurou a partir de 1968, com o AI-5 que hoje é pedido em êxtase por pastores nas redes sociais.
Naqueles dias duas figuras se destacaram em nosso meio da forma mais deplorável possível: o batista Enéas Tognini e o presbiteriano Boanerges Ribeiro. Ou a igreja adotará com críticos do governo a heresia praticada pelo criminoso Roberto Pontuschka, um pastor batista que torturava de noite e orava por suas vítimas de dia? Um irmão preso aos cuidados do monstro contou a Istoé a tara do "irmão capelão". Questionado se não era vergonhoso para um servo de Deus torturar opositores, o pastor Pontuschka respondeu: "Para os que desejam se converter, eu tenho a palavra de Deus. Para quem não quiser, há outras alternativas.".
Concordo com quem não gostar do texto alegando que o governo Bolsonaro não torturou ninguém ainda. Mas é exatamente isso: ainda. O regime militar não começou com violência, mas com supostos homens de bem, ungidos por Deus para manter a ordem. E não é preciso ir muito longe, não são poucos os sacerdotes que defendem essas violações. Elas começam com estas intimidações e terminam nos porões da ditadura.
Se é errado tomar parte nisso? O Evangelho responde:
Não tenhas inveja do homem violento, nem escolhas nenhum dos seus caminhos.
Porque o perverso é abominável ao Senhor, mas com os sinceros ele tem intimidade.
Provérbios 3:31,32[left-sidebar]