No Brasil os George Floyd não importam
Não faz muito tempo que acompanhamos os desdobramentos ruidosos da morte do americano George Floyd na cidade de Minneapolis. A luta e o luto irromperam de forma conjunta, o resultado foi a violência policial de volta ao centro do debate público americano. Em que pese o conflito e a oposição de uma sociedade historicamente racista é possível cravar que houve progresso. Afinal de contas a mobilização foi inédita. Na cidade de Minneapolis a indignação pautou as estruturas a ponto do conselho municipal decidir de forma unânime pela extinção do Departamento de Polícia da cidade.
Não, os cidadãos não ficarão a mercê de criminosos como querem os bravateiros reacionários com suas piadas sobre críticos da polícia recorrerem ao Batman na hora da necessidade. A decisão foi acompanhada de um estudo e uma fase de transição. A instituição será desmantelada e uma nova força de segurança baseada em valores fundamentais.
O raciocínio por trás da prática não é formulado para atender baderneiros ou agradar supostas agendas extremistas da esquerda. Na verdade o cálculo é bem conservador: uma polícia que jura servir e proteger deve fazê-lo de forma respeitosa. Na verdade as instituições que combatem o crime devem ser as primeiras a observar a legalidade de forma estrita.
Mas daí nos voltamos a nossa realidade. Nestes tristes trópicos não temos a mesma preocupação com cidadãos vulneráveis (no caso a maioria do país) porque nos habituamos a lógica da chibata. Por aqui explodiram os casos de violência policial, sobretudo em São Paulo. Nos últimos dois meses diversos casos causaram indignação, como o rapaz espancado na Zona Norte, outro em Barueri, um outro foi asfixiado em Carapicuíba. Isso ao mesmo tempo em que um ricaço gritou em alto e bom som a um cabo da PMSP que ali em Alphaville sua autoridade não erada nada, que só na favela sua laia se criava.
Pois é. O PM ouviu em silêncio. Como poderia ser diferente, não é?
Por óbvio que a violência policial agora endêmica em São Paulo é fomentada por fatores diversos como as velhas estruturas da instituição, a precária gestão e formação dos quadros e a ascensão do bolsonarismo e sua influência entre os agentes das policiais militares Brasil afora - esta discussão merece ser feita, mas não é a razão por trás de tudo. São apenas fatores no sistema de engrenagem. A força motriz é a indiferença com a dignidade humana, o desamor pela vida praticado principalmente por aqueles que se julgam "cidadãos de bem". O que causa asco nos Estados Unidos e deixa o establishment em maus lençóis é recebido de forma completamente diferente por aqui. Se o joelho do policial Derek Chauvin provocou aquele levante, por aqui ele agrada não só os senhores do baraço e do cutelo como é apoiado por amplos setores da classe média. Para quem se forjou na barbárie não há outra forma de se combater o crime sem ameaçar a integridade física de um indivíduo, sem tratar metade da população como criminosos e cidadãos de segunda classe.
Por aqui os George Floyds não importam. Por aqui quase ninguém importa. Nossa cristandade é superficial, é apenas uma convenção social para declararmos pertencimento ao mundo. Curioso que a moda mais recente é se declarar liberal na economia e conservador nos costumes. Que costumes queremos tanto conservar? Será que o desrespeito amplo, geral e irrestrito a qualquer vida que venha embalada em um corpo negro?[left-sidebar]