Nem sempre a Ética manda ouvir o outro lado


 

O documentário sobre o assassinato da atriz Daniella Perez revive em detalhes um crime que chocou a sociedade brasileira pela torpeza do crime e banalidade dos motivos. Os assassinos da atriz foram o ator Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, sua companheira a época. O caso foi marcado sobretudo pela frieza dos envolvidos e a forma cínica com que se apresentaram ao público após as investigações identificarem a autoria. 


Pois bem: os produtores do documentário resgataram o histórico do crime, ouviram testemunhas, autoridades, jornalistas, pessoas que conviveram com autores e vítima. Só não foram ouvidos os criminosos. Diante disso Guilherme de Pádua se manifestou, alegando que o documentário foi "imparcial". 


Sem entrar nos detalhes macabros do crime, o fato de conhecimento de todos é que Guilherme é um assassino frio e calculista. Ainda que hoje se apresente nas vestes de cidadão de bem, cristão e patriota (significa), o sujeito é sabidamente autor de homicídio bizarro. Temos então duas partes: a vítima e seus assassinos. Uma vítima que não pode falar por si, já que teve sua vida interrompida. Por ela falaram pessoas que sentem sua falta e profissionais que se debruçaram na cobertura do caso e na elucidação do crime. E o outro lado? O outro lado é o do criminoso, aquele que não irá convencer ninguém sobre a necessidade de tirar a vida de outro ser humano com os motivos alegados nem se mil vidas tivesse. 


Guilherme de Pádua é um assassino, dele não se espera coisa melhor que o comportamento doentio demonstrado desde sempre. O que surpreende é que alguns profissionais de imprensa, da comunicação, da política, academia e outros setores ainda se confundem sobre a questão do "outro lado". A ética poliana induz indivíduos e organizações a darem palanque aos tipos mais asquerosos com a premissa da imparcialidade, o que não poderia ser mais errado. 


A premissa da imparcialidade ou do outro lado não deve se aplicar a quem se volta contra os princípios da dignidade humana, da vida e da democracia. Assim como foi equivocado por parte de algumas emissoras colocar em pé de igualdade pesquisadores e negacionistas da ciência durante a pandemia, também seria abjeto "ouvir" o lado de um assassino. Assim como tomar o depoimento de Guilherme de Pádua seria igualar o envolvimento das partes no caso, também é abjeto quando colocam em cena a outra parte quando ela é representada por um racista, um homofóbico ou um radical que milita contra a democracia liberal.


Não devemos jamais perder de vistas quais são os parâmetros que sustentam nossa sociedade, sob o forte risco de contrariarmos Karl Popper e darmos voz aqueles que pretendem destruí-la. Quando o debate é a segurança pública não são ouvidos os integrantes de facções criminosas, logo Guilherme de Pádua não deve ser ouvido sobre o crime que praticou. O mesmo deve ser dito de qualquer circunstância que envolva discurso ou práticas que ameaçam a vida, liberdade e direitos - ou então jogaremos na vala comum o criminoso e a vítima.[left-sidebar]

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