Instantes antes da luta


Aviso sincero: este texto não fala apenas das eleições municipais, ainda que seu objeto comece por elas. Se já estiver cansado do assunto, nos vemos em uma próxima. 

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Bom, os resultados das eleições municipais já são conhecidos e resta mais que o alívio geral pela acachapante derrota do bolsonarismo, humilhado nas urnas por sua arrogância e punido por sua barbárie. Mas foi mérito do bolsonarismo, de mais ninguém: prova disso é a derrota amarga sofrida pela esquerda em seus vários quadrantes. Dali só quem pode comemorar algo é o PSOL e o PDT. O primeiro disputou eleições de forma maiúscula, amealhou vereadores e levou uma capital. O PDT apoiou vencedores, manteve sua cidadela em Fortaleza e agora se consagra como o grupo político mais pragmático deste espectro. A esperança de Ciro Gomes, ao que parece, é se mostrar viável também para parte das direitas: esta possibilidade é real, e se explica pela realidade. 


Se o bolsonarismo e aquela massa heterogênea conhecida por “Nova Direita” não foi tão bem, o fato é que a direita fisiológica e aquele centro institucionalmente intragável foram muito melhores do que poderiam supôr em circunstâncias tão adversas. Não foi uma vitória do centro político, da moderação e maturidade democrática. Foi uma vitória do cansaço da política, da desesperança. O eleitor foi compelido a voltar ao centro fisiológico para frear a hipótese bolsonarista do desgoverno. 


Venceu o desengajamento, os números da abstenção reforçam a tese. Esta sobrevida tem seu preço, deve agora provocar reflexões. O desemprenho pífio do petismo deixa uma lacuna importante para a civilidade. Como seguiremos adiante sem uma esquerda que dispute eleições, que formule alternativas para o país? Ainda que pessoalmente esteja mais ao centro, é inegável o desequilíbrio que a ausência destes agentes podem provocar no país. O mesmo pode ser dito para a direita, que pouco apresentou alternativas que trouxessem em seu bojo alguma contribuição para a já citada civilidade. Nada, o que fizeram foi fazer espuma. De novo. 


2020 trouxe passos importantes. Mulheres, negros, mulheres negras, LGBTs, indígenas, jovens, evangélicos não-fundamentalistas, muitos nomes novos ascenderam aos legislativos municipais reforçando uma busca pelo pertencimento legitimado na representação. Provamos que a democracia é um constructo social que funciona, ainda que de modo rudimentar. Agora é garantir que continue vigente. Como?


Não temos alternativas para o país. Ah, não esperem mais saídas na antipolítica. Um de seus arautos até se apresentou como alternativa, mas depois de desmoralizado já arrumou ocupação com empregadores bilionários e muito enrolados com a justiça. Estamos falando de indivíduos com capacidade de interpretar os sinais, de satisfazer os anseios da forma mais humana. Aquele que irá propor políticas de estado, arbitrar conflitos, tocar nossa instância administrativa. Não queremos um candidato a ditador, um aspirante a Salvador da Pátria. O que o Brasil precisa é de governo, seja ele de qual extração política for.


Não, não temos nada disso por hora. Esperamos sim que as esquerdas lembrem-se de que o convencimento eleitoral se dá para o homem comum, não para as bolhas cosmopolitas que não serão capturadas apenas com bolos e atores globais engajados na véspera. A Direita é outra, além de se permitir ao desgaste democrático ainda convive com contradições sociais próprias de um Bantustão com espantosa naturalidade. Não formularão proposta alguma para as tantas mazelas? E o centro político (não o centrão), terá forças para se impôr no debate? O chamado ensurdecedor é este. Não temos um projeto de país, quem nos comanda se omite criminosamente do ofício de governar. Nestes instantes que antecedem a luta, temos que nos preparar. Não como partidos, movimentos, militantes ou sócios de um plano político. Falo aqui de nação, de sociedade. Não custa lembrar: 2022 são nossos duzentos anos como país independente. O que seremos até lá?[left-sidebar]

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