O Culto da Morte





Um protesto nas praias do Rio de Janeiro organizado pela ONG Rio de Paz. Cruzes espalhadas lembram aos transeuntes os mortos pelo covid-19 (já são mais de 40 mi). O ato lembra dos mortos na cidade que reabre serviços não-essenciais antes do achatamento da curva. O que não poderia ficar pior, ficou: um cidadão - ou melhor, um elemento, se voltou contra as cruzes e começou a arrancá-las. Uma senhora que corria na orla grita em tom esquizofrênico, ordenando que os voluntários fincassem cruzes... na Venezuela. Um senhor que perdeu o filho reage e coloca as cruzes no lugar. Um outro cidadão - ou melhor, um comparsa do primeiro elemento, se indigna com o tom de voz dirigido ao carniceiro da orla. Para ele o idoso é também inimputável.

A infâmia segue: o presidente da República, munido das disposições do cargo, conclama seguidores para que filmes hospitais para provar que os números do novo coronavírus foram inflados por seus opositores. Semana passada deputados estaduais de São Paulo provocaram tumulto em um hospital de campanha. Aliados do presidente, os lacaios buscavam colher provas de uma suposta fraude. 

Fraude aqui só há uma, a do governo sebastianista que veio restaurar a alta-cultura, a moral e os bons costumes, o que deseja defender os tais valores da civilização judaico-cristã com o lema "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". A cultura dessa gente é a lama, a moral e os hábitos são copiados do submundo onde habitam milicianos amigos, os únicos valores defendidos pelo clã Bolsonaro são os dividendos das rachadinhas e o lema deveria ser "Bolsonaro acima de tudo, Filhos acima de todos". 

Sim, enquanto participa de cultos com mercadores da fé e atrai para seu entorno cristãos inebriados com o néctar do poder (o fascínio se explica por uma visão psicodélica da teologia do pacto), estes dissidentes embarcam na canoa da apostasia que os impede de enxergar o óbvio ululante: o bolsonarismo é a Barca de Caronte onde embarcam as almas mortas. No neo paganismo bolsonarista Jair toma o lugar de Cristo de forma sorrateira, quando se vê os indivíduos que dizem lutar por princípios estão por aí, vilipendiando a memória de mortos e pedindo golpe de Estado para calar o contraditório. Não surpreende: é o marginal que declarou que a solução para o país seria um holocausto humano. Não usou estas palavras, é claro: se referiu a matança de "uns trinta mil" (de brasileiros) como "fazer o trabalho que o Regime Militar não fez". O elemento deve estar satisfeito, o coronavírus que ele finge não existir já eliminou dez mil a mais que seu orçamento de sangue.


Assim como vocês este autor não sabe onde este turbilhão termina, mas a agonia institucionalizada é o que sustenta os muitos cavaleiros do Apocalipse e seus escudeiros. O governo Bolsonaro não se resume a um grupo de retórica violenta ou uma tentativa de assalto a República. A reação estridente e descontrolada aos cuidados estabelecidos pela OMS durante a pandemia, a indiferença e negligência com as vítimas e a compreensão torpe de que qualquer protesto neste sentido se resume a um ardil dos tais "comunistas" é mais que loucura, é transe. O bolsonarismo é a versão moderna do culto a Moloque, o que talvez nos explique o fetiche do presidente em rir das mortes de adversários e compatriotas. Sua acensão também decreta a morte do projeto de nação chamado Brasil. Quando isto acabar restarão apenas escombros.[left-sidebar]
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