Os Dois Coopers e Minneapolis em Chamas. É a injustiça que alimenta o caos.

 




Dois Coopers no parque
Antes que a indignação pela morte de George Floyd colocasse Minneapolis em chamas, um outro caso de racismo se deu em Nova York. Christian Cooper observava pássaros no Central Park quando percebeu que uma mulher passeava com o cachorro fora da coleira, contrariando as normas do espaço. Ao pedir que ela prendesse o animal, Cooper foi tratado com histeria pela mulher que gritava de forma descontrolada que ele o ameaçava. Amy Cooper (sim, o mesmo sobrenome), chegou a ligar para a polícia enquanto Christian filmava sua pantomima racista. Ao telefone ela repetia: "Um homem afro-americano está me ameaçando". O vídeo gerou reação imediata e Amy foi demitida. 

O homem que supostamente a ameaçou por ser negro em público se formou em Harvard, foi executivo da Marvel e hoje atua como editor da revista Health Science Communication. Dois fatos importantes que devem ser mencionados aqui: Christian resistiu ao ataque racista por ser rico e bem informado, talvez um negro pobre (como a maioria) teria fugido para não ter maiores problemas. Mas veja: a boa posição social não poupou Christian do racismo. Aliás, Cooper tem o mesmo sobrenome que sua agressora sem ser membro da mesma família. Provavelmente algum Cooper possuiu escravos e emprestou a eles o nome de família. Foi o que aconteceu com outros tantos negros, expropriados não só da liberdade como também da identidade. A coincidência de sobrenomes entre a vítima e o agressor não é um detalhe, mas parte da tragédia. 

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Uma coisa sempre leva a outra
Uma outra reflexão possível nestas notícias recentes: um outro americano negro foi morto recentemente. Em Fevereiro Ahmaud Arbery foi assassinado aos 25 anos enquanto corria nos arredores de Brunswick, na Georgia. Os criminosos Gregory e Travis McMichael alegaram que a vítima parecia um suspeito de cometer assaltos na região. Ahmaud estava desarmado, seu crime foi o mesmo de Christian Cooper: era negro. 

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Nunca é um caso isolado 
Colocando as coisas em perspectiva, o caso de George Floyd não é isolado, e sim mais um fato em uma cadeia de acontecimentos relacionados. Quando a polícia foi chamada para o homem que aparentava estar fora de si, a resposta jamais deveria tratar o sujeito como um animal por meio da bizarra técnica de asfixia com o joelho. O policial que tirou a vida de George pressionando seu pescoço com o joelho é Derek Chauvin. Antes do homicídio de Floyd Chauvin foi alvo de uma série de reclamações e até uma denúncia de violência doméstica. 

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Minneapolis em Chamas
Os protestos contra a morte de George Floyd desaguaram em uma demonstração de raiva nas ruas que já é comparada aos distúrbios civis de Los Angeles em 1992. Nas redes pessoas do mundo inteiro se dividem entre os que se assustam e os que apoiam este tipo de mobilização. Na polarização sobre os métodos está um fato inescapável que foge a boa parte dos debatedores: o que alimenta o caos é a injustiça. Porque muitos seguem com suas vidas enquanto seus conterrâneos são esmagados pelo coturno do Estado como se nada estivesse acontecendo, ao passo que para alguns esta existência debaixo do cacete não vale a pena ser vivida. 

É claro que diante dessas coisas nos lembramos do exemplo pacifista de Martim Luther King Jr, e sua luta para a construção de uma sociedade dentro dos pilares da democracia e do cristianismo, sem radicalismos ou reações desmedidas. Mas de pouco adianta os mais conservadores clamarem por um MLK quando eles próprios se tornam insensíveis, quando seu cristianismo serve apenas como fachada para o racismo. É bom pontuar que os que se calam sobre estas injustiças e só reagem quando o caso se desdobra em caos não são conservadores nem mesmo cristãos. Ordem e Paz só são possíveis quando as instituições são compreendidas como garantidoras da justiça e segurança. Alguns marginalizados se aproveitam destas ocasiões para praticarem furtos e promoverem violência? Sim, mas isto também é culpa do Estado que não soube garantir a justiça e da sociedade que não cobra justiça de suas instituições. 

Claro: o caos de Minneapolis é só o que é visível. 

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A propósito, a diferença entre a sociedade americana e a nossa é a forma de organização comunitária e pertencimento dos negros, fruto de um  processo histórico diferente do nosso. No entanto não se pode subestimar a capacidade das massas se inflamarem. Por hora ainda não se viu por aqui nada semelhante a Los Angeles ou aos distúrbios de Minneapolis. Por aqui quem captura parte da indignação é o crime. Quando a polícia mata um garoto estudioso e evangélico como João Pedro Mattos, a mensagem é que não adianta o negro se manter longe de problemas e se esforçar pelo futuro. Esta meia verdade cai como uma bomba sobretudo nos jovens da mesma idade, aqueles assediados diariamente pelos encantos do tráfico. A vida que se perde não é só a da vítima imediata, mas a do país inteiro.[left-sidebar]
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