A diplomacia trumpista de Bolsonaro deu certo. É o Idi Amin Dada caipira.
Acossado pela morte de mais de cem mil americanos, sitiado pelas ruas em fúria pela morte de George Floyd e da violência contínua contra os cidadãos afro-americanos e se preparando para o embate com o democrata moderado Joe Biden, o presidente Donald Trump sacou uma inesperada carta da manga. Em discurso na Casa Branca o mandatário respondeu que apesar de liderar o ranking de mortes pelo novo coronavírus no mundo, o país não ia tão mal assim.
"Se você olhar para o Brasil, eles estão passando por dificuldades. A propósito, eles estão seguindo o exemplo da Suécia. A Suécia está passando por um momento terrível. Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido 1 milhão, 1 milhão e meio, talvez até 2 milhões ou mais de vidas".Pois é, o Brasil de Jair Bolsonaro se torna referência negativa não só na boca de vizinhos como o presidente do Paraguai, mas também exemplo que proporciona ao ídolo da alt-right uma válvula de escape. A situação é ao mesmo tempo esdrúxula e curiosa, já que Jair fez o possível para emular os aspectos mais superficiais do trumpismo, especialmente durante a pandemia: elegeu a China por inimiga geopolítica, apostou na cloroquina e forçou a reabertura do comércio.
Mas claro, falta sofisticação na cópia. O Trump canavieiro que falta comer com as mãos resolveu acrescentar palavrões ao seu restrito vocabulário. Acalenta a ideia de golpe desde os tempos de tenente rabiscando planos de explodir adutoras. E quando se trata de canetadas ele se supera. Se Trump falou da cloroquina em algumas oportunidades e sugeriu que fosse hipótese viável, Jair preferiu ordenar que os laboratórios do Exército fabricassem 2,2 milhão de comprimidos de cloroquina. Se Trump é calculista, Bolsonaro é caótico: sem calcular riscos (se o golpe der certo não será preciso se explicar sobre nada) Bolsonaro compromete recursos públicos na fabricação de um medicamento que vencerá em dois anos. Mesmo após reviravoltas em estudos as autoridades relutam em indicar a cloroquina como tratamento adequado para o tratamento do covid, o que indica que o Exército terá torrado tempo de trabalho e dinheiro do contribuinte. Seria um crime de responsabilidade, mas para Jair é só mais um dia.
Jair nos lembra em muito a saga de Idi Amin Dada, um dos mais folclóricos tiranos que já pisaram na terra. Se a aparência era de bufão, a personalidade era de carniceiro. Assassinou opositores, perseguiu minorias étnicas, elegeu o Reino Unido como seu principal adversário e, segundo alguns, chegou a praticar canibalismo. A má gestão econômica, o autoritarismo, o culto a própria personalidade e as teorias da conspiração se faziam presentes. Assim como Jair, Idi Amin passou pelo exército. Começou no regimento King's African Rifles e depois da independência chegou ao posto de major-coronel. Quando chegou ao posto de comandante que deu o golpe de Estado contra Apolo Milton Obote (outro tirano, diga-se de passagem). Idi possuía uma fixação na história do Reino da Escócia, sua obsessão tomou forma de delírio quando começou a adotar adereços tradicionais escoceses em suas tropas. A diferença é que Idi Amin chegou ao posto de major-coronel, enquanto Jair foi reformado após um processo tumultuado pela acusação de terrorismo. Idi queria um golpe e deu um golpe, ao contrário de Jair - o indivíduo pequeno que preferiu se eleger para enfim tentar um autogolpe.
Algumas semelhanças são impressionantes: Idi Amin rompeu relações com Israel sem motivo aparente, acusando depois o Estado judeu de planejar uma nunca comprovada invasão a Uganda. Chegou a se oferecer para ocupar o trono da Escócia (já na época ocupado por Elizabeth II), afirmando que poderia libertar os escoceses do jugo inglês. Declarou "guerra econômica" contra asiáticos, europeus e judeus que viviam no país. Quando os terroristas palestinos do Setembro Negro assassinaram seis atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique enviou um telegrama ao secretário-geral da ONU elogiando Adolf Hitler pela morte de seis milhões de judeus. Exatamente como um caboclo aqui que fez troça da morte dos pais de Michele Bachelet e Felipe Santa Cruz por ditaduras militares, que emprega simpatizantes do nazismo e faz contínuos acenos ao submundo do extremismo e supremacismo branco.
Sim, comparar Jair com Idi Amin é necessário. Por aqui as loucuras do presidente são interpretadas como meros equívocos, como traços folclóricos da personalidade quando há método na ópera bufa. Idi Amin queria se associar aos escoceses para fomentar a mística entre sua política externa e as rebeliões dos clãs gaélicos contra os ingleses. Da mesma forma é Bolsonaro, que se submete a Trump como uma Geni calculista. Sua subserviência tem lá seus traços de deslumbre emergente, mas também é muito útil para alimentar as hordas ideológicas que o seguem. Jair se forjou como "mito" (ou semideus?) da direita de tacape se associando ao "outsider mogul" Trump. Com frequência alimenta seus seguidores com patéticos paralelos, sua energia vital reside justamente na crença difusa de que há qualquer igualdade ou semelhança entre reacionários americanos e reacionários subdesenvolvidos. Indagado sobre o último ataque de Trump, Jair respondeu que o americano é seu "parceiro e irmão". Como a seita satânica que o segue julga que estar em uma nova etapa da guerra fria e que tudo o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, logo Bolsonaro chame o Brasil de pátria de vira-latas. A réplica de Bolsonaro seria exatamente esta: "No tocante a questão do vira-latas, infelizmente alguns de nós somos sim". Aliás, ele já fez isso ao dar as costas ao próprio povo ao silenciar sobre os imigrantes ilegais enviados a ferros de volta ao Brasil.
É claro, Trump ao menos é capaz de retribuir algum farelo para seus compatriotas, ao passo que Jair só veio saquear. Ele não pensa em governar, mas em retirar a carne, a gordura, os ossos e os cascos. Desde deputado do baixo clero já sonhava com uma guerra civil que matasse uns trinta mil, em fazer o serviço que o regime militar não fez. Decerto o tenente terrorista tinha Costa e Silva e Médici na conta dos frouxos, já que a ditadura brasileira matou menos de quinhentas pessoas. Jair já tem uns trinta mil em sua conta, pretende ainda amealhar outras almas pelo caminho quebrando o agronegócio em sua guerra sem sentido com a China, sua política ambiental predatória, os garimpos em terras indígenas e talvez de opositores e jornalistas desavisados que passarem por seu caminho em sua estrada para o autogolpe. O parlamentar que usava verba de gabinete para "comer gente" parece gostar de fazê-lo no sentido oral, exatamente como Idi Amin Dada tempos atrás.
Sem desânimos, o pior ainda está por vir.[left-sidebar]